sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Respostas 1

Para melhor responder às questões lançadas por duas pessoas que leram este blogue, a começar pelo corcunda.

Pergunta porque é que eu acho que uma monarquia deve ser laica. A minha resposta é que ela não pode ser confessional pelo mesmo motivo que não pode ser partidária, ou seja, que a imparcialidade que dela se exige no que a partidos políticos diz respeito se aplique também no campo da religião. É esse o objectivo último da laicidade: imparcialidade do Estado face à crença religiosa, numa sociedade em que cada qual seja livre de ter a sua sem que seja discriminado por isso. Ora se se vai exigir que o chefe de Estado professe uma dada fé para o poder ser...

Foi num sentido próximo que coloquei a questão da veneração dos antepassados. Não com o intuito de defender a sua prática ou instauração oficial, mas antes no de descobrir uma forma de valorização da linhagem que justifique a privatização de um cargo estatal. Porque se se defende um Estado que não discrimine em virtude da fé, sexo, condição social ou orientação sexual, mas que ponha o mérito pessoal do cidadão à frente de todas estas coisas, então permanece a questão de como justificar a posse exclusiva da chefia da nação por parte dos membros de uma família. A resposta está numa valorização da linhagem ao ponto de permitir a entrega da liderança - cerimonial que seja - a alguém que descenda de um fundador. E a expressão máxima que o ser humano alguma vez criou dessa mesma valorização é a veneração dos antepassados - saber de quem se descende para se saber quem é - motivo pelo qual uma sociedade que tenha presente a dita prática religiosa - quer a pratique ou não - consegue aceitar melhor a hereditariedade de um cargo.

Quanto à ILGA, continuamos no mesmo tema: o Estado é de todos os portugueses, independentemente do sexo, fé, condição social ou orientação sexual. Deixar que esta última característica retire direitos e dignidade a toda uma parte da sociedade é atroz, até porque homossexuais há de todas as ocupações e idades, figuras públicas e anónimos, classes e partidos políticos, incluindo monárquicos do PPM e do PP. Acredite, eu estou-lhe a dizer isto com conhecimento de causa. Como é que essas pessoas se conseguem olhar todos os dias ao espelho sabendo quem são e os discursos homofóbicos que proferem é para mim um mistério, mas não tenho intenções de dar força a tamanho mau exemplo. E suponho que pelo que digo é claro que não me chocaria minimamente que tivessemos um princípe herdeiro ou mesmo rei que fosse homossexual assumido.

Por fim, em resposta às palavras do Simão Agostinho tenho apenas duas coisas a dizer: a primeira é que eu só referi, mas ainda não expliquei o que entendo por eleição real. Tenha lá calma e espere para primeiro ler as coisas todas e depois sim falar. A segunda é que sim, a laicidade é uma tomada de posição, como todas as concepções ideológicas o são. Mas é uma de neutralidade em relação à crença ou ausência dela, algo que eu acho muito mais preferível a uma afirmação de uma ou mais fés pelo Estado.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Legitimidade real (em forma de desabafo pessoal)

Considere-se o seguinte: numa sociedade que se quer justa e regida pelos princípios da igualdade e da liberdade, como encarar o direito de sucessão de uma família à chefia do Estado? Certamente que muito mal. A titularidade de cargos nacionais deve depender do mérito pessoal e não de relações de parentesco, deve ser algo público e não propriedade privada. O que deixa numa posição desconfortável a defesa de uma monarquia, mais ainda se considerarmos a importância de nos aproximarmos de uma méritocracia contra um sistema que funcione com base em cunhas, favores, filiação partidária ou simples "contactos". E como o exemplo deve vir de cima...

Como legitimar, então, o direito a um trono?

Considere-se esta ideia: uma monarquia faz pleno sentido numa sociedade que tenha presente ou pelo menos esteja familiarizada com a veneração dos antepassados. Porquê? Porque ela mantém constantemente em memória uma forma de maior ou menor valorização da linhagem do indivíduo. Uma pessoa nem tem que praticar ou sequer acreditar em qualquer forma de culto dos mortos da família, mas basta ser uma ideia culturalmente enraizada para poder enformar comportamentos e mentalidades. A título de exemplo, veja-se o que sucede no ocidente com a separação entre Estado e Igreja: a sua fundamentação teórica deriva, primariamente, de uma passagem biblica (Mateus 22:21), mas daí não se conclui a crença religiosa dos defensores do laicismo, que muitas vezes é nenhuma.

Por esse motivo a Casa Imperial do Japão reveste-se de uma forma de legitimidade dificilmente encontrada no ocidente, uma vez que a cultura japonesa tem uma tradição milenar de veneração dos antepassados que persiste ainda hoje e está presente mesmo quando não se é xintoísta. O soberano é legítimo por ser descendente do primeiro imperador, é o símbolo vivo da nação por traçar a sua linhagem até ao seu fundador, do mesmo modo que um indivíduo seria responsável pela preservação de uma tradição artística ou marcial por ser descendente do seu criador. Ao herdeiro cabe a responsabildade de honrar os seus avós e o que de bom eles fizeram, de ser a face visível da sua memória e de velar pela continuidade daquilo que eles lhe deixaram. Provavelmente também por esse motivo algumas antigas culturas europeias que se orgulhavam de não ter reis mantinham, ainda assim, cargos cerimoniais que entregavam a pessoas cuja linhagem legitimava a sua titularidade.

Talvez eu esteja a postular uma coisa que no ocidente de hoje não tem solo onde ganhar raízes. E talvez todo este raciocínio faça sentido para mim por eu estar familiarizado com o culto dos antepassados, fruto de muitos anos de leituras sobre culturas antigas. Quem se dá ao trabalho de ler isto que contra-argumente.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

De volta!

Umas semanas nos Países Baixos com amigos e familia afastada e depois volto pra descobrir que a versão anterior do Fruto d'Avis recebeu uma enchorrada de visitas de monárquicos. Confesso que fiquei surpreso.

Desconheço o que passou pela cabeça de todos eles quando leram o que saiu do meu caderno de notas para a internet, mas pelo que me constou parece que neste blogue houve mostras de maior ou menor ultraje. Principalmente por eu propôr uma monarquia laica. A eles faz-lhes impressão a vida fora da sacristia, a mim ninguém me convence que a restauração do trono português possa alguma vez passar pelo restabelecimento da confessionalidade do Estado. E não o faz porque defender uma religião de Estado ou uma identidade alicerçada no catolicismo é o mesmo que olhar para o lado e fingir que o mundo não passou do século XIX, que não há diversidade religiosa ou novas formas de família, e é não perceber a tremenda falta de bom senso que é usar argumentos teológicos para formular conclusões políticas. De pessoas que tanto querem engrandecer o seu país eu esperava maior consciência da História e das lições desta, mas alguns individuos preferem ser como a velha guarda: nada aprendem e nada esquecem.

Por isso engana-se quem pensou que semanas de silêncio da minha parte implicava mudança de ideias ou perda de impeto. Antes pelo contrário, a estadia em paragens repletas de mentes mais abertas e atentas ao mundo em redor foram férteis em novos pensamentos que atempadamente publicarei aqui. E garanto que o que escrevo não é por querer uma monarquia qualquer: é precisamente por ponderar sobre uma com pés e cabeça, moderna e aberta, que proponho que ela seja laica e electiva (ainda não tinha mencionado este último detalhe, pois não?). Se me contentasse com o ter um rei por ter eu não estaria a dar-me ao trabalho de pesquisar e formular ideias: teria simplesmente entrado para as fileiras do PPM sem ter que esforçar muito a cabeça.

Casa Real vrs Família Real

É uma distinção nem sempre feita, mas muito importante. A última consiste na totalidade dos membros da família reinante, desde o rei ou rainha até aos parentes mais distantes, enquanto a primeira - a Casa Real - refere-se apenas e só aos que, de entre essa mesma família, são de importância para a estrututa de poder do Estado, ou seja, o casal real e os respectivos filhos (ou outros na linha de sucessão), nalguns casos também o monarca anterior ou a rainha-mãe.

Trata-se de uma distinção em vigor em algumas das monarquias europeias, como é o caso da holandesa, e que sem dúvida alguma devia ser aplicada num restaurado regime real português.

Laicidade

Um dos mais frequentes argumentos dos monárquicos a favor da restauração do trono é a imparcialidade do chefe de Estado, livre da disputa partidária implicita que ocorre actualmente a cada cinco anos. O rei seria necessariamente neutro por não depender do apoio de um ou mais partidos para ascender à chefia do país, mas valendo-se a si mesmo na posse do cargo.

O argumento não é inteiramente desprovido de sentido e eu até que concordo com ele, pelo menos em teoria e em parte. Mas se os monárquicos põem tanto ênfase na neutralidade política do monarca, não se percebe porque é que não agem de modo igual quando se trata de neutralidade religiosa. Porque é que a cabeça do Estado há-de ser livre de cor política, mas não de conotação de fé? Principalmente quando se está a falar de uma sociedade portuguesa moderna, plurireligiosa e com uma vivência civil que encara festividades religiosas de uma forma inteiramente profana e mundana. Há-de a monarquia implicar a oficialidade de uma crença num meio diversificado e em boa medida laicizado? A resposta é não. Não pode, nem deve! Uma monarquia moderna e aberta deve ser neutral em religião, sem exibir símbolos de uma ou mais fés e sem ritos religiosos em substituição ou como parte integrante de cerimónias de Estado. Naturalmente que isto implica reformas em parte já dadas a entender na bandeira neomonarquica.

A mais óbvia diz respeito à coroa, símbolo e objecto real. Depois de D. João IV tê-la oferecido a Nossa Senhora da Conceição que nenhum outro rei português voltou a ser coroado ou a usar sequer a coroa, motivo pelo qual os monarcas da dinastia de Bragança são sempre representados com o dito objecto ao seu lado e nunca na sua cabeça. Como a César cabe o que é de César, não se percebe porque é que o símbolo máximo da chefia do Estado deva permanecer propriedade de Deus ou, neste caso, de uma santa. Mas mais do que reclamar a coroa, é preciso que se use outra. Porquê? Por um lado para quebrar mais eficazmente com a tradição estabelecida por D. João IV e, por outro, porque a dos Bragança exibe no topo uma cruz cristã, logo o seu uso constituiria uma adesão formal a uma fé. Uma nova monarquia exige uma coroa nova à sua semelhança, aberta e livre de símbolos religiosos, passível de ser usada na cabeça do/a monarca e de ser representada nos símbolos oficiais de um Estado laico.



Já no que diz respeito às cerimónias do Estado, pela ausência de ritos de religião a coroação teria lugar num local neutro em fé, mas relevante para a estrutura política do país. A solução mais óbvia é o Parlamento, o mais alto orgão representativo da nação. Em sessão solene deste seria exibido um escudo com as armas de Portugal, lida a lista dos soberanos anteriores, o príncipe ou princesa herdeiro/a seria oficialmente confirmado como sucessor, faria o seu juramento e seria coroado/a pelo presidente da Assembleia Nacional. O reconhecimento dos filhos do casal reinante como membros da Casa Real seguiria um molde laico semelhante.

Nada disto impede, é claro, que a família real participe em cerimónias religiosas, mas fá-lo-á exclusivamente a título privado, sem qualquer estatuto oficial e sem que o rito de fé possa em caso algum subsituir a cerimónia secular. Porque a laicidade é um bem precioso e um garante de equidade, justiça e liberdade, há que valorizá-la e preservá-la.

A bandeira

Um símbolo é uma representação figurativa de uma ideia ou de um conjunto de ideias. Deste modo, em vez de começar por enunciar princípios até chegar a um símbolo que os represente, achei por bem seguir o sentido oposto, isto é, apresentar primeiro o enunciado e depois o conteúdo, como se de um índice ou introdução se tratasse. E esse enunciado simbólico é uma bandeira neomonarquica.



Primeiro, as cores. O verde representa a terra pátria - saudável, respeitada e usada responsavel e sustentavelmente - assim como vitalidade e esperança nacionais, enquanto o branco representa a Constituição e os direitos civis. O escudo nacional é o tradicional, enquanto a coroa é aberta de modo a afirmar a laicidade do Estado: por um lado, permite o uso do símbolo régio sem ser encimado por uma cruz cristã (como na bandeira monárquica convencional) e, por outro, por não ser fechada como a dos Bragança, quebra com a tradição de confessionalismo real que vem desde D. João IV, que ofereceu a coroa portuguesa a Nossa Senhora da Conceição. A bem da neutralidade religiosa, uma nova coroa é necessária, tanto na bandeira como na cabeça do/a soberano/a, reclamando-se da Igreja para o Estado aquilo que é o símbolo máximo da chefia do Estado. A César o que é de César!

Em resumo, a bandeira proposta enuncia os três princípios básicos da neomonarquia: Pátria, Constituição e Laicidade!

Apresentação

Comecemos pelo início. Duas coisas levaram-me a entrar em pensamentos monárquicos e, consequentemente, a abrir este blogue: a entrada do processo de integração europeia na fase política e as últimas eleições presidenciais.

A primeira é óbvia. A possibilidade de construção de uma federação europeia coloca a questão de quais os novos limites da identidade nacional e como deve responder esta ao desafio de um super Estado multinacional. Será o regime republicano uma boa base de trabalho ou será necessário regressar a símbolos vivos das raízes nacionais que reforçem a diversidade dentro da unidade europeia?

A segunda é um problema do actual regime: a partidocracia. Que os partidos políticos desempenhem um papel importante na vida pública é sem dúvida alguma desejável e salutar, mas que quase a monopolizem, asfixiando as iniciativas e movimentos de conjuntos de cidadãos atentos e participativos, silenciando-os por falta de um cartão de militante ou o apoio de um aparelho partidário é matar a democracia aos poucos. E que isso suceda numa eleição como a presidencial - supostamente apartidária - é sintomático de um sistema que está a ser descaradamente distorcido por "bispos" da política. Assim sendo, a resolução desse problema pode ser feita de duas maneiras: ou se reforma o actual regime republicano de modo a torná-lo mais aberto, ou se começa a pensar numa alternativa.

Este blogue recolhe as minhas reflexões pessoais sobre a segunda hipótese, isto é, uma nova monarquia portuguesa, aberta e moderna, livre do tradicionalismo do altar católico e das praças de touros e que crie um modelo de Estado menos partidocrático. Se a ninguém ajudar, motivar ou pelo menos provocar dúvidas férteis em novas ideias, que este blogue seja ao menos um bom bloco de notas pessoal.

Viva Portugal!